Quantcast
Channel: sala da la
Viewing all articles
Browse latest Browse all 73

Precisamos falar de…

$
0
0

Ele cuidava do gado de um grande fazendeiro da região. A vida era modesta mas, digna.

Certa manhã, enquanto ordenhava as vacas, armou-se tempestade.
Um raio abriu grande e profunda fenda no chão, próximo ao curral, expondo o que parecia ser uma caixa mortuária. Curioso, pulou no buraco e afastou cuidadosamente a tampa. Da fresta avistou ossos porém, algo mais chamou-lhe a atenção. Esticou o braço o máximo que pode e, alcançou seu “precioso”: um anel.
Voltou pra casa, mas não contou a ninguém sobre o ocorrido, nem mesmo à mulher.
Mensalmente,  os trabalhadores da fazenda apresentavam-se ao patrão, numa reunião de prestação de contas( contextualizando: àquela época não havia internet, e-mail, Whatsapp ou Bankphone).
Na sala de espera, acomodou-se entre os colegas e ficou ali, quieto, absorto em pensamentos; enquanto os outros conversavam, ele examinava o estranho anel, no dedo anular. Rodou a única pedra incrustada em direção à palma da mão. Imediatamente ficou imperceptível, invisível. Rodou novamente a pedra ao dorso e, tudo voltou ao normal.
Ciente do grande trunfo que tinha nas mãos, literalmente, perpetrou uma “virada” na vida valendo-se da sua invisibilidade.
Infiltrou-se na casa do fazendeiro, nos negócios, seduziu a mulher dele, promoveu intrigas…assim, apoderou-se de todos os bens do antigo patrão, deixando-o na miséria…
Tal preâmbulo foi apenas uma paráfase à história original contada por Platão, em “A República”, sobre o “anel de Giges”.
O filósofo francês André Comte-Sponville também a evoca ao introduzir o tema “moral”, em seu livro “Apresentação da Filosofia”.
A questão que inevitavelmente provoca, é:
O que você faria, se fosse invisível? Se fosse imbatível? Se fosse inalcançável?
Você é bom, porque é bom, ou porque lhe falta oportunidade de fazer o mal? Ou deixa de fazer algo errado, só porque teme retaliações?
Nem pretendo deter-me nesse terreno pantanoso, sobre discutir moral, porque Sponville a dissecou muito bem, no texto indicado. Corram, lá!
Acontece que, o anel de invisibilidade já existe há muito e está à disposição de qualquer um, ao alcance de um click!
Como são “corajosos”, “combativos”, “sinceros”, “empedernidos defensores de causas” os anônimos que usam a internet para vomitar todo seu ódio, arrogância e preconceitos! A respeito, concluiu Bernard Shaw: ”O ódio é a vingança dos covardes”. Como são ágeis, desenvoltos, descontraídos, pra não dizer caras de pau, os que se valem da capa que a internet lhes (des)veste para praticar, promover e incitar atos ilícitos!
Alguns, acham que têm superpoderes! Mas superpoderes, nas mãos de superamorais, causam estragos, como o anel que revelou a verdadeira personalidade do dissimulado Giges.
“Back to the future!” De Giges à atualidade:
O assunto foi tão discutido nas redes sociais, que até me contive: “falar mais o quê?” Corre-se o risco de chover no molhado, de repetir o óbvio!
Estou falando do “MasterChef Jr” e uma de suas competidoras, Valentina.
Quanta gente “pra frente”, alguns, até “mostrando” a cara, fazendo comentários lascivos sobre a menina. Que gente “corajosa”, assumindo preferências e desejos, publicamente! Quanto superidiota!
Nunca existiu gente assim? Sempre! Mas hoje, reproduzem-se celeremente, como os Gremlins, na velocidade e facilidade que as redes sociais proporcionam.
O bom, disso tudo:
Estamos falando sobre. Fazendo o feitiço virar contra o feiticeiro!
A mesma via de reprodução da imbecilidade sendo usada, na contramão.
O assediador é covarde, porque se vale de sua “superioridade” para abusar de alguém que não tem como defender-se.
Isso não é vitimismo, como alguns grupos antifeministas radicais “defendem” por aí,  usando seu precioso anel.
Uma lição básica, aprendida na Medicina:
Não se trata o que não se conhece. Você só chega a um diagnóstico e, então, define conduta, se pensar na possibilidade de…Senão, passa batido.
É preciso conhecer o problema, destrinchá-lo, discuti-lo pra que a situação, dita “normal”, mude. Não é da noite pro dia. É um contínuo combate.
Com certeza, o primeiro “corajoso” a escrever a primeira bobagem que lhe veio à cabeça sobre Valentina não tinha ideia da repercussão!
Criou-se até uma hashtag, no Twiter, pra se falar do #PrimeiroAssedio.
Daí,  vem aquele carinha da música da galinha e, em tom de chacota, tenta roubar a cena. Mas, deixemos esse debilóide de lado pra falar de coisa séria!
Quem nunca ouviu falar de uma criança que foi tocada por um colega de trabalho do pai, ou por um respeitado senhor da sociedade? Ou não ouviu a história do vizinho mostrando a ela, de forma esquisita, as partes íntimas? Ou, quando foi perseguida por um grupo de adolescentes, dispostos a sei lá o quê? Ou não sabe de uma pré-adolescente que, tremendo de medo diante do zelador da escola de música, viu-se obrigada a dar-lhe um beijo asqueroso? Isso não é ficção. Essa menina existe e, cresceu. Essa, sou eu.
Até bem pouco tempo atrás, nunca imaginaria que viesse me expor dessa forma, dando cara a tapa, como faço por aqui. Mas pra se ter alguma credibilidade, ser consistentemente coerente e dispensar o “anel de Giges” é um dos pré-requisitos. Não digo que seja fácil mas, tento.
Há pouco voltei de uma viagem à NY. Foi rápida mas, produtiva, enriquecedora.
Conheci a High Line, um parque suspenso, dos mais insólitos.
Era uma antiga linha ferroviária que passava sobre o Chelsea, no oeste de NY.
12180022_1031908533497072_1326949007_n
Desativada em 1980, seria demolida não fosse a intervenção de uns loucos visionários, que viram naquela área degradada um espaço público agradável para convivência. Depois de anos de impasse, esse grupo que abraçou a antiga linha conseguiu convencer o poder público, privado e até os próprios moradoras a transformar a área em parque. O resultado disso, não parou por aí: todo o entorno da linha foi revigorado e valorizado; um dos bairros mais charmosos da cidade.
12181895_1031908650163727_313272541_n
O que leva a crer, que seja possível sair do terreno das discussões rasteiras e construir algo superior a isso tudo.
Simples coincidência ou, conspiração a favor: o tema deste ano da redação do ENEM ser “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”.
12179683_1031908463497079_395024000_n
( E, desculpem o semjeitismo da conclusão. Foi difícil pra mim falar disso mas, precisamos falar! Da Valentina, da Laély, da Maria, da Ana…)
(Pesquisando o assunto fui parar numa página, no Facebook, que me causou arrepios e, mais ainda, ao ver que têm mais de 9000 “curtidores”, claro, maior parte usando anelzinho…Só lembrando que, ao se depararem com conteúdo na internet que seja “inadequado”, que incite violência, ato ilícito, com discurso de ódio…você DEVE DENUNCIAR!)

Viewing all articles
Browse latest Browse all 73