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“Ela”

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Outro dia fui ao cinema com uma amiga assistir a um filme sugerido por um amigo. A sala de exibição estava lotada, afinal, era um dos indicados ao Oscar.
História desenrolando-se, não demorou muito até que nos entreolhássemos, silenciosamente nos perguntando:”o que estamos fazendo aqui?”
Muitos tiros( na tela) e cochiladas( na cadeira) depois voltamos pra casa, decepcionadas. Fora tão bem recomendado!…

Acabo de assistir a um outro. Sozinha, em casa. E não consigo parar de pensar nEla! Por ironia, o mesmo amigo que indicara o filme anterior, desmereceu esse outro. Pra ele foi tedioso, mas a mim tocou profundamente, a ponto de arrancar-me do marasmo onde me encontrava, últimos meses, e provocar uma vontade que não tinha há muito: escrever!

É despretensioso, não arrastou multidão aos cinemas, nem fez muito sucesso. A ideia central foi considerada absurda, até ridicularizada, mas uma das mais belas histórias de amor já contadas!
Realizado em 2013 pode ser considerado de vanguarda, porque só há pouco começamos a falar sobre algo que há muito faz parte do nosso dia a dia: os novos tipos de relacionamentos e arranjos familiares, as manifestações plurais do amor, a internet e tecnologia interferindo na forma de interagir, fazendo novos porém, frouxos laços afetivos( o sociólogo polonês Zygmunt Bauman escreveu sobre isso, em “Amor Líquido”, 2004).

Deixando a Psicologia e Sociologia de lado, voltemos à nossa história real:
Animada, chamei a amiga( a mesma, que me acompanhara no programa furado!) por WhatsAap pra contar sobre minhas impressões, comparando-as com as do amigo. Ela, então, começou a discorrer sobre as diferenças entre homem e mulher, assunto tocado no filme.

Sentimentos têm gênero, corpo, locação definida?

É senso comum dizer que homem pensa, age e sente de um jeito, mulher, de outro, assim como menino veste azul e brinca de carrinho e menina veste rosa e brinca de boneca, certo?
Será, mesmo? O próprio Senso Comum explica, ao dialogar com Tertuliano Máximo Afonso( personagem principal de “O Homem Duplicado”, de José Saramago):
“Devias saber que estar de acordo nem sempre significa compartilhar uma razão, o mais de costume é reunirem-se pessoas à sombra de uma opinião como se ela fosse um guarda-chuva”.
Pode existir( em algum lugar, não sei onde…) um homem sensível que, romanticamente chora o amor não correspondido, assim como pode existir uma mulher que tira de letra a mesma situação, tocando a vida pra frente, sem se deixar abater.
Não somos projetados pra agir e reagir, de uma só maneira. E é isso que nos faz únicos.
“Um homem também chora, menina…também deseja colo, palavras amenas” diz a música de Gonzaguinha. E é este o protagonista, de: “Ela”.
Joaquim Phoenix( maravilhoso!) personifica Theodore, que vive num estupor desde a separação da mulher, afinal, amadureceram juntos, um influenciando o outro, crescendo, em qualidades e defeitos. Não é assim o amor?

Seria Theodore menos másculo porque chora de paixão? Essa força estranha, descrita pela personagem de Amy Adams, como uma “forma de insanidade socialmente aceita”!

Se vir alguém na rua rindo e falando sozinho, o que vai pensar? Que é um louco!
Mas até a loucura pode ser aceitável, desejável: teclamos, enquanto comemos, enquanto dirigimos, enquanto fazemos qualquer outra coisa! Ouvimos alguém falando e nos viramos a atendê-lo mas, ops! não é conosco!: Está usando o bluetooth do smartphone.
No entanto, não houve época mais propícia à solidão que esta. Estamos cercados de gente, real e virtual: interligados, conectados, curtidos, compartilhados mas, sem pares, isso sim, uma loucura!
O “ter” é supervalorizado, mas o “ser”, o que realmente importa na vida: ser especial pra alguém, ser amado, acolhido, compreendido, incentivado…como é bom, mas tá em falta!
E a carência é tanta, que nos apegamos a qualquer fonte de satisfação que, julgamos, possa suprir tais necessidades.

Uma preocupação recente: estaria a escrita manuscrita fadada à extinção? Pois é disso que vive Theodore: de escrever cartas de amor, manuscritas pelo computador.

O diretor fez questão de não situar a história num tempo e espaço. Somos transportados a um futuro, não muito longínquo, onde a tecnologia é indispensável na realização de tarefas corriqueiras; nada se pode fazer sem ela envolvida!

Na cidade onde Theodore vive o transporte coletivo funciona, as ruas são assépticas, o emprego, bacana, o patrão, compreensivo, a casa, ampla e confortável…Na escala de Maslow, todas as necessidades básicas atendidas…Não há o que reclamar. Mas é de relacionamentos, ou das nossas dificuldades de relacionamento que o filme trata.
A fonte de renda de Theodore prova isso: pessoas contratam uma empresa, que contrata pessoas para escreverem cartas, carregadas de emoções que as primeiras não sabem expressar. Até aí, nenhuma novidade: é o mote de Cyrano de Bergerac.
A ironia é que Theodore tem a capacidade de traduzir sentimentos alheios mas não, administrar os próprios.

Até que conhece Samantha. Ela não é uma pessoa. É um Sistema Operacional extremamente desenvolvido, complexo, quase…humano?
Chegará um tempo em que máquinas nos ensinarão a gozar a vida, a amar, a ser feliz? Na imaginação de Theodore, chegou!
A mistura do real e virtual confunde! Não se sabe onde termina um e começa o outro.
Samantha (na voz sexy de Scarlett Johansen)”aprende” a sentir, como uma mulher(?): empatia, ciúme, desejo, mágoa, saudade…Ela até compõe, toca e canta! Como não apaixonar?!
Todas as fases do amor são mostradas: o despertar do interesse, as afinidades, a aproximação, o apaixonamento, a entrega, os primeiros conflitos, as DRs…Há mais coisas entre um homem e uma mulher que se possa imaginar!
O sentimento de Theodore é real, verdadeiro! Chega a apresentar sua namorada OS aos amigos e a leva para uma viagem romântica de férias!
Ele se deixa levar pela paixão, como não? Ela é a mulher perfeita!
E não dá pra contar mais detalhes de onde isso vai dar.
Mas uma frase resume bem esse relacionamento(assim como outros tantos, reais):
“Com as pessoas que inventamos, só teremos amores imaginários”. (Zack Magiezi)

( Scarlett Johansen canta lindamente! Vai se apaixonar!)

O amor e o sofrimento(não por amor mas, a falta dele!) nos equipara, diminui nossas diferenças, não importa se: homem ou mulher, judeu ou palestino, se fiel a Buda ou Maomé…

Esta não pretende ser uma resenha de filme, apenas, divagações…


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