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“O quase avesso de um elogio à beleza”

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Em tempos de internet e redes sociais alimentando vaidades pessoais, vale a leitura da crônica da Maria Sanz Martins, na revista.AG de hoje:
E só pra não nos cobrarmos tanto, gostar de ser “curtido”, “seguido”, “compartilhado” e elogiado vem de berço.
Enjoy it!

O quase avesso de um elogio à beleza
Antes de conversarmos um pouco sobre o elogio, cuidemos mais da beleza

MARIA SANZ MARTINS | marysnt@hotmail.com

 

Encantadora, hipnotiza.

Sedutora, suborna a atenção.

Imperativa, provoca elogios – não necessariamente verbais, claro.

Elogios são formas de gentileza, atenção, olhares, ou simples, cooperação. Tudo automático porque a beleza, literalmente, impulsiona.

Para além do racional, reagimos quimicamente às substâncias que são instantaneamente produzidas no cérebro diante do sinal de qualquer coisa que nos pareça bela.

Sabia que no livro “A lei do mais Belo”, escrito pela cientista norte-americana Nancy Etcoff, existe um dado curioso: “Da infância à idade adulta, as pessoas bonitas são tratadas preferencialmente e vistas positivamente (…). Indivíduos belos têm mais chance de obter clemência no tribunal e conseguir cooperação de estranhos”.

Também dia desses uma amiga me contou sobre um estudo feito em colégios de ensino fundamental, onde foram colocadas câmeras dentro das salas de aula, sem o conhecimento dos professores, para observar seus comportamentos com relação aos alunos. O que se pode observar, e que chamou a atenção dos estudiosos, foi a diferença na atenção dispensada aos alunos bonitos. Constatou-se que, de forma inconsciente, os professores davam preferência às crianças mais bonitas. Mas como bem se sabe, não são apenas as crianças que gostam e imploram atenção.

É da própria natureza… O pavão quer ser apreciado, a criança quer ser notada, o homem quer ser desejado e a mulher quer ser elogiada.

Mas por que esperamos tanto por esse olhar que aplaude?

Por causa da lei da ação e reação. Ora, assim como a beleza, um elogio também pode provocar uma reação bioquímica para além do racional. Uma sensação que colore, fazendo acender um sinal de que não estamos sozinhos – e não duvide, o mero fato de sermos “aceitos” é o bastante para nos fazermos sentir aquecidos.

É que passada a infância, todos nós conhecemos um pouco da solidão (e deste ponto em diante, lutamos para afastá-la o quanto possível).

Saímos de um útero quentinho, para sentir nos lábios a pele nua do seio e sermos banhados por um olhar que tudo premia – seja um sorriso ou um espirro. Somos beijados, abraçados e, mesmo sem saber falar uma única palavra, plenamente compreendidos. Mas com o passar do tempo, o seio é trocado por uma papinha nem-salgada-nem-doce, nem-quente-nem-fria (horrível). Pouco a pouco deixam de nos tocar e fazer carinho com a frequência que faziam. De repente passamos a ter vergonha do nosso corpo e de nossas partes íntimas. Passamos a ser cobrados e a receber castigos.

Se olhássemos num gráfico, depois dos primeiros anos de vida os sinais de que nossa mera existência proporciona prazer a outras pessoas, declinam. (É drástico).

O entusiasmo que nos é dispensado passa a depender exclusivamente da nossa performance. Se antes, cortar a franja com a tesoura de cozinha era engraçado, agora é preciso cuidar do que dizemos, do que vestimos, do que comemos e de como penteamos os cabelos. Viramos adultos, definitivamente expulsos do paraíso.

Por isso, no fundo, no fundo, estamos sempre perseguindo o desejo de sermos amados, beijados, abraçados, aceitos, ou, simplesmente, elogiados.

E quanto mais, melhor!

(Será mesmo?)

É perfeitamente possível dizer que a vaidade é capaz de gerar alguma insanidade. Ora, desde que o mundo é mundo mulheres (lindas) fazem de tudo em nome da beleza. Mas hoje em dia, o gato saiu do saco! Com a opulência de imagens que circulam nas redes sociais e na TV, mulheres e meninas entram em colapso para atingirem o último grito da moda ou da forma física.

Imagino que para as mães de adolescentes a coisa deve estar difícil. Como explicar para um filho ou uma filha que, sim, é bom ser apreciado (curtido, seguido, aplaudido, elogiado, sei lá), mas o que realmente importa não é nada disso? E fazê-lo entender que ser bacana é muito, mas muito melhor (e mais interessante, mais surpreendente, mais gostoso e mais sabido) do que ser só bonito.

Digo porque, pessoalmente, tenho olhos que checam o físico, mas só aplaudem o espírito.


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